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Barriga solidária

Por: Dr. Luiz Fernando Henrique

Na atualidade, a maternidade tem sido discutida, questionada e reorganizada em diferentes situações. Nesse sentido, graças aos avanços das tecnologias empregadas na medicina reprodutiva, as pessoas que não conseguem gestar também podem ter filhos com sua herança genética.

A técnica utilizada para isso é conhecida por vários nomes: barriga solidária, cessão temporária de útero, gestação de substituição e útero de substituição. Também já foi chamada de barriga de aluguel, mas esse termo é inadequado, uma vez que não pode envolver compensações financeiras.

A barriga solidária é indicada em alguns tratamentos com fertilização in vitro (FIV). Com essa técnica, o embrião formado com os gametas do casal que pretende ter o filho é colocado no útero de uma terceira pessoa, uma mulher que aceite ser a cedente temporária do útero para levar a gestação a termo — a gestante de substituição não tem nenhuma relação genética com a criança.

Optar por uma FIV com barriga solidária pode ser o único caminho para muitas pessoas que não podem realizar o sonho de ter filho usando seu próprio útero. É esse tema que vamos explorar neste texto, mostrando as indicações, procedimentos envolvidos e normas éticas que devem ser observadas.

Quais são as indicações para o tratamento com barriga solidária?

Após uma investigação diagnóstica aprofundada, é possível confirmar que a mulher não pode engravidar por fatores uterinos graves ou não pode deixar uma gravidez evoluir por outras condições médicas.

Entre as alterações que inviabilizam uma gestação no próprio útero, estão:

  • anormalidades uterinas congênitas, como malformações graves e ausência do útero, a exemplo da síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser;
  • ausência do útero após histerectomia (cirurgia de remoção parcial ou total do órgão), devido a doenças uterinas adquiridas, como miomas volumosos, síndrome de Asherman e câncer;
  • condições médicas que podem se agravar com a fisiologia da gestação e impor riscos à vida da mulher;
  • história de abortamento de repetição ou de falhas repetidas de implantação em ciclos de FIV, sem que tenha sido identificada uma causa tratável;
  • histórico de complicações obstétricas graves;
  • reprodução de casais homoafetivos masculinos, os quais também precisam de doação de óvulos.

Avaliações médicas e psicológicas são necessárias por parte de todos os envolvidos no tratamento de reprodução com barriga solidária. Os pais genéticos e a cedente temporária de útero também são orientados quanto aos aspectos biopsicossociais e legais, como a questão da filiação.

Como é a FIV com barriga solidária?

Os óvulos e espermatozoides usados para gerar os embriões podem ser dos futuros pais, mas também é possível que o tratamento envolva doação de gametas, como acontece com os casais homoafetivos masculinos — o Conselho Federal de Medicina (CFM) orienta que a cedente temporária de útero não pode ser a doadora de óvulos.

A mulher que participará como barriga solidária deve pertencer à família de um dos futuros pais da criança e ter pelo menos um filho vivo. Embora não seja uma regra, o histórico de gravidez sem complicações também é importante.

Em resumo, a FIV com barriga solidária segue os mesmos passos que o tratamento sem útero de substituição:

  • primeiramente, a futura mãe (ou a doadora de óvulos, quando houver necessidade) passa por estimulação ovariana com medicações hormonais e seus óvulos são coletados após alcançarem a maturação adequada;
  • o material biológico do homem também é coletado e submetido ao preparo seminal para que seja obtida uma amostra contendo apenas os espermatozoides com boa morfologia e motilidade;
  • os óvulos são fertilizados e os embriões ficam em incubadora por cerca de 5 dias, enquanto são monitorados pelo embriologista;
  • na última etapa, os embriões são transferidos para a barriga solidária, após a cedente temporária de útero ter realizado o preparo endometrial, que consiste no uso de medicações hormonais para deixar o útero receptivo ao embrião.

A gestação é acompanhada de perto pelos futuros pais da criança, que também são responsáveis por garantir à cedente do útero todos os cuidados médicos necessários durante a gravidez, no parto e no pós-parto.

No contexto sociofamiliar, a gestação de substituição pode envolver os mesmos cuidados e preparativos para a chegada do bebê, como realização do chá de fralda, álbum de gravidez, organização do enxoval e preparação da mãe para a amamentação. A mãe biológica pode realizar tratamento hormonal para estimular a produção do leite materno.

O que dizem as normas éticas sobre a gestação de substituição?

Por meio da resolução 2.320/2022, o CFM traz várias normas para que as práticas da reprodução assistida sejam realizadas com ética e segurança. Para começar qualquer tratamento, todos os pacientes precisam assinar um termo de consentimento livre e esclarecido após receberem informações detalhadas sobre os procedimentos pelos quais vão passar, riscos envolvidos e dados de caráter jurídico.

Para resumir, as seguintes normas estão previstas para os tratamentos com barriga solidária:

  • não pode ter caráter lucrativo ou comercial;
  • a cedente deve ter parentesco consanguíneo de até quarto grau (mãe, filha, irmã, tia, sobrinha e prima) com um dos futuros pais;
  • vários documentos precisam ser apresentados, incluindo termo de consentimento livre e esclarecido, relatório médico sobre a saúde física e mental de todos os envolvidos e aprovação por escrito do cônjuge ou companheiro da cedente temporária do útero.

Uma vez que se trata de um processo delicado e complexo, essas normas são importantes para proteger os direitos das partes envolvidas.

Casos excepcionais nos quais os envolvidos não têm um parente de até quarto grau que possa ser a “barriga solidária”, é possível, após avaliação psicológica e aprovação do CRM, que mulheres sem parentesco e dispostas a ajudar possam assumir esse papel.

O processo envolve uma nova organização familiar durante os períodos pré-gestacional, gestacional e puerperal. Assim, a FIV com barriga solidária oportuniza a maternidade/paternidade com vínculos biológicos, mesmo que a pessoa não possa levar a gravidez a termo em seu útero.

 

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